Tété e a Morte no Bosque Florido
- Natércia Godinho
- 4 de dez. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 5 de dez. de 2024
O bosque ainda dormia sob um véu de silêncio, envolto numa névoa suave que pairava como um manto protetor sobre as flores salpicadas de orvalho. Tété, sentindo o frescor da manhã, calçou suas botas com cuidado, ajustou o casaco e deixou escapar um longo suspiro, como quem se prepara para algo maior do que uma simples caminhada.
O relógio marcava 6 da manhã, e o mundo ao redor parecia suspenso no tempo. O sol, tímido, começava a espreitar no horizonte, tingindo o céu com um dégradé suave de lilás e dourado. Uma brisa ligeira vinha da costa de St David's, no País de Gales, carregando o aroma salgado do mar misturado ao perfume fresco das flores selvagens.
Os montes ao longe pareciam cobertos por um tapete de cores vivas – azulados, púrpuras e amarelos – pintados pelas flores que desafiavam o fim do inverno. As folhas das árvores balançavam suavemente, como se sussurrassem segredos ancestrais, e o som distante das ondas completava a melodia serena da manhã.
Tété olhou ao redor, sentindo-se parte daquele cenário, mas também uma intrusa. Havia algo de mágico na forma como o dia nascia, como se o bosque guardasse um mistério que ela estava prestes a desvendar.
Havia algo de especial naquela manhã – algo que ela não conseguia definir, mas que fazia o ar parecer mais denso, mais vivo.
De repente, uma figura apareceu entre as árvores. Não era assustadora, nem sombria, mas tinha um magnetismo que congelou Tété no lugar. A figura, envolta numa luz translúcida, falou com uma voz que parecia vir de todos os lados ao mesmo tempo.
Morte: Preparada para a caminhada, Tété?
Tété: (hesitando) Quem és tu?
Morte: Ora, sou eu, a Morte. Antes que te assustes, ainda não a vim buscar, pretendo caminhar ao teu lado.
Tété sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Ela queria correr, mas algo na serenidade daquela presença a manteve ali.
Tété: (quebrando o silêncio) A Morte? A verdadeira Morte?
Morte: Sim, embora eu seja muitas coisas para muitas pessoas. Hoje, sou apenas uma companhia no teu caminho.
Tété: Por que estás aqui? Que chatice!
Morte: Porque você me chamou. Lá no fundo, todas as perguntas que carrega sobre mim atraíram este encontro.
Tété começou a andar, hesitante, e a Morte acompanhou-a de lado a lado. As botas da Tété esmagavam suavemente as folhas qause congeladas, enquanto a figura ao lado parecia flutuar, sem perturbar o chão.
Tété: (com um tom sarcástico) O que é você, afinal? Quero entender... mas, ao mesmo tempo, não quero.
Morte: (olhando-a nos olhos) Eu sou a pausa, Tété. Sou o ponto final de cada frase, a sombra que dá forma à luz. Sem mim, a história da vida seria um caos, sem sentido.
Tété: (apontando o dedo para o bosque) Mas por que precisa ser o fim? Por que algo tão bonito como a vida precisa acabar?
Morte: (suspirando) Ah, Tété... A vida não acaba por minha causa. Ela renova-se. Se não houvesse o fim, como haveria espaço para o novo? As flores que você tanto admira morrem para que outras possam crescer. Até o orvalho desta manhã se desvanecerá, alimentando o solo.
Tété: (irritada) Mas e nós? E as pessoas que amamos? Como podemos aceitar perder quem nos é tão precioso?
Morte: (emitindo raios de calor) Não se trata de aceitar, mas de entender. A dor de perder alguém é o eco do amor que você sente. O fim não apaga esse amor, apenas o transforma.
Tété parou e olhou para a Morte, que parecia serena, mas firme.
Tété: (resignada) Ainda assim, é difícil. Você é vista como uma inimiga, algo a ser evitado, até mesmo temida.
Morte: (com um ar de alivio) Porque vocês têm medo do desconhecido. Mas eu não sou inimiga; sou parte da dança. Sem mim, não haveria o valor da despedida, nem a celebração do reencontro em outras formas.
Tété: (pondo a sua mão no coração) E quando chegar a minha vez? Como devo encará-la?
Morte: (sorrindo levemente) Com as mesmas botas que calçou hoje. Esteja preparada para a caminhada. Não como um ato de coragem, mas como um gesto de amor por si mesma e pelo caminho que percorreu.
Tété sentiu uma lágrima escorrer pelo rosto. Não era medo, nem tristeza, mas algo que parecia paz. A Morte não era aquilo que imaginava; era mais um reflexo da vida do que um fim absoluto.
Continuaram a caminhada pelo bosque, o som das folhas molhadas sob os pés ecoando como uma melodia suave. Tété sabia que ainda tinha muito a perguntar, mas, pela primeira vez, sentiu que estava disposta a escutar.
Antes de mais parabéns tua iniciativa de trazer para a discussão um tema tão tabú mas que na verdade não há nada tão certo como a morte. Falar sobre ela como tu referes faz nos pensar e a ver a vida numa outra perspectiva.